quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Um conto de Natal que escrevi há muiiiiiiiiiiito tempo

Um conto de Natal

O Natal aproximava-se e Zézinho na sua pequena casa, que mais parecia uma casa de bonecas em ruínas, sonhava com a noite de Natal. A caixa de fósforos que lhe servia de quarto ficava no cimo de uma escada improvisada que dava para o sótão. Na casa não havia nenhum outro espaço disponível. Para além do seu minúsculo quarto, existia uma divisão onde dormiam os seus quatro irmãos e que servia ao mesmo tempo de cozinha e o quarto dos pais apenas com uma cortina a separar.
Zézinho, por ser o mais pequeno, era o único que cabia naquele cantinho perto do céu. Tinha esse mundo só para si. Era o seu mundo, mágico, mas sufocante na altura de mais calor e um tormento gélido nos invernos rigorosos. Aí Zézinho brincava de tudo. Retirava uma telha partida onde debaixo um balde aparava as pingas e observava a lua cheia. Imaginava-se aos comandos de um foguetão espacial que o levasse a pisar aquela enorme bola de prata. Outras vezes montava uma estrela cadente, domador de cavalos celestes.
Agora contava as estrelas para não chorar. Era a noite de Natal e Zézinho tinha pedido muito, mas muito, uma casa nova onde pudessem ser felizes. Nessa noite de inverno, como tantas outras, Zézinho deitava-se em companhia do balde das pingas e do cheiro a mofo. Era tal o frio que sentia, que tinha de dormir com a pouca roupa que tinha. Camisola sobre camisola, um casaco grosseiro a cheirar a lã, Zézinho sonhava com uma casa com lareira, onde pudesse deixar o sapatinho para o Menino Jesus pôr lá dentro coisas bonitas.
Nessa noite os seus quatro irmãos já dormiam, dois com os pés para a cabeceira e os outros dois para o lado contrário. Zézinho pensava neles... Tão novinhos e já com as mãos calosas do trabalho na fábrica de calçado onde também trabalhava o pai. Sem tempo para se encontrarem nas suas brincadeiras de meninos.
A sua mãe... pensava nela. Passava os dias esfregando e esfregando a roupa dos fregueses. Os seus olhos enchiam-se de água ao pensarem quando chegava com as mãos tão enganidas que nem conseguiam pegar-lhe ao colo. Atirava-se ao seu pescoço, faminto de um carinho, mas não tinha mãos para o agarrar. Na Primavera, gostava de a acompanhar ao rio. Observava os pequenos girinos, colherzinhas, como lhe chamava, e divertia-se a tentar apanhá-los com armadilhas.
A sua mãe era a pessoa que ele mais admirava. Conseguia equilibrar na cabeça uma bacia cheinha de roupa lavada e nem sequer punha as mãos a segurar.
Na ilha onde morava, tudo era miséria. Gritos ecoavam por todas as partes, vindos de vozes ásperas e amarguradas. O chão lamacento que cobria o caminho, entrava pela casa adentro, para que não esquecessem nunca a miséria em que viviam. Tudo era lamacento e frio. Zézinho pensava na doçura da sua mãe e sonhava com uma casa nova. Imaginava com alegria os seus irmãos, cada um com o seu quarto, a cheirar a ninho em vez de fritos. Ria sozinho de felicidade com as imagens da sua nova morada.
Era noite de Natal e o milagre acontecia. Depois da magra ceia, Zézinho subiu para o seu mundo. Tirou a telha partida e deixou-se ficar longas horas a observar o céu. Adormeceu com o coração faminto de um presente.
Nessa noite, um enorme temporal se abateu sobre a região. Um espectáculo de luz e cor que mais parecia fogo de artifício a anunciar o nascimento do Menino. Um raio de luz adentrou-se na casa na ilha das casas onde vivia e veio cumprimentá-lo no seu pedacinho de céu. Bateu-lhe ao de leve na face, despertando-o. Zézinho deixou-se envolver por esta aura celestial que de mansinho o convidava a viajar. Podia agora visitar o reino das estrelas que tão bem conhecia. Transportado por essa luz divina, seguiu os seus mais lindos sonhos de menino.
A partir desse dia Zézinho tinha uma nova morada.

Braga, 20 de Novembro de 2002

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