quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Bird Girl

I am a bird girl now
I've got my heart
Here in my hands now
I've been searching
For my wings some time
I'm gonna be born
Into soon the sky
'Cause I'm a bird girl
And the bird girls go to heaven
I'm a bird girl
And the bird girls can fly
Bird girls can fly

Antony and The Johsons

Jesus

Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:
- Sei um ninho!
A mãe levantou para ele os olhos negros, a interrogar. O Pai, esse, perdido no alheamento costumado, nem ouviu. Mas o pequeno, ou para responder à Mãe, ou para acordar o Pai, repetiu:
- Sei um ninho!
O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas, e ficou atento, também.
A criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no lato, numa galha.
A mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.
Mas o menino continuou. Disse que então prendera a cordeira a uma giesta e trepara pela árvore acima.
De novo o Pai levantou as pálpebras cansadas, e ficou tal e qual a mãe inquieto, com a respiração suspensa, a ouvir.
E o pequeno ia subindo. O cedro era enorme, muito grosso e muito alto. E o corpito, colado a ele, trepava devagar, metade de cada vez. Firmava primeiro os braços; e só então as pernas avançavam até onde podiam. Aí paravam, fincadas na casca rija.
A subida levou tempo. Foi até preciso descansar três vezes pelo caminho, nos tocos duros dos ramos. Por fim, o resto teve de ser a pulso, porque eram já só vergônteas as pernadas da ponta.
Transidos, nem o Pai nem a Mãe diziam nada. Deixavam, apavorados, mudos, que o pequeno chegasse ao cimo, à crista, e pusesse os olhos inocentes no ovo pintado. O ninho tinha só um ovo.
Aqui, o menino fez parar o coração dos pais. Inteiramente esquecido da altura a que estava, procedera como se viver ali, perto do céu fosse viver na terra, sem precisão dos braços cautelosos agarrados a nada. E ambos viram num relance o pequeno rolar, cair do alto, da ponta do cedro, no chão duro e mortal de Nazaré.
Mas a criança, apesar de mostrar, sem querer, que de todo se alheara do abismo sobre que pairava, não caiu. Acontecera outra coisa. Depois de pegar no ovo, de contente, dera-lhe um beijo. E, ao simples calor da sua boca, a casca estalara ao meio e nascera lá de dentro um pintassilgo depenadinho.
E o menino contava esta maravilha com a sua inocência acostumada, como quando repetia a história de José do Egipto, que ouvira ler a um vizinho.
Por fim, pôs amorosamente o passarinho entre a penugem da cama, e desceu. E agora, um nada comprometido, mas cheio da sua felicidade, sabia um ninho.
A ceia acabou num silêncio carregado. Só depois, à volta do lume quente do cepo de oliveira em brasido, é que os pais disseram um ao outro algumas palavras enigmáticas, que o pequeno não entendeu. Mas para quê entender palavras assim? Queria era guardar dentro de si a imagem daquele passarinho depenado e pequenino. Isso, e ao mesmo tempo olhar cheio de deslumbramento os dedos da Mãe, que, alvos de neve, fiavam linho.
E tanto se encheu da imagem do pintassilgo, tanto olhou a roca e o fuso, e aqueles dedos destros e maravilhosos, que daí a pouco deixou cair a cabeça tonta de sono no regaço virgem da Mãe.

TORGA, Miguel (2002). Bichos. Lisboa: Publicações D. Quixote. Págs. 73 a 75.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008


Quero dizer que a amo e que a quero ver feliz. Dizer que a quero proteger e que me proteja. Que me pegue ao colo, que me acaricie o cabelo e me diga palavras bonitas. Que me escute, quero que me escute. Que me segure a mão e me diga: está tudo bem, tranquiliza-te, sossega, dorme. E eu adormecer no seu regaço.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Adeus, gasolina!


Era uma vez um país à beira-mar, com florestas, campos, cidades e gentes. Rasgado por estradas, cortado por ruas, cheio de automóveis por toda a parte. Os jardins tinham sido alcatroados para parques de estacionamento. As estátuas deitadas abaixo para erguer bombas de gasolina.
Grandes petroleiros aportavam ao cais, carregados de petróleo que grandes refinarias transformavam em gasóleo, gasolina, que, por sua vez, grandes autotanques levavam até às grandes estações de serviço.
Os sapateiros remendões tinham deixado de trabalhar porque já ninguém se lembrava de andar a pé. Em vez de se gastarem solas, gastavam-se pneus.
Os meninos ficavam fechados em casa para não serem atropelados e, de rastos nos corredores, brincavam com automóveis-miniatura.
Longe, muito longe, do outro lado do mar, havia outros países com suas gentes. Aí estoiravam bombas no deserto escaldante, furado de poços de onde saía o petróleo. Morriam homens por um palmo de terra ou por uma ideia. E como a única riqueza que possuíam era o petróleo, deixaram de o fornecer aos países inimigos.
Os petroleiros, então, partiam e passavam a voltar vazios. Os autotanques paravam junto ao cais, vazios; bichas enormes se formavam junto às bombas quase esgotadas. Passou a vender-se vinte litros, dez litros, cinco litros, um litro… até que acabou a última gota de gasolina.
Então foi o pânico. Não havia sequer autocarros, carrinhas de escola, carros de bombeiros ou ambulâncias. Os soldados passaram a ir para a guerra a pé. Mas os generais e outros oficiais superiores requisitaram os cavalos brancos da Guarda Republicana.
Os ministros conferenciaram pelo telefone e acharam por bem exigir os camelos do Jardim Zoológico.
E o presidente? Como poderia ele fazer as suas deslocações patrióticas, de Norte a Sul do território? Para o primeiro cidadão da Nação, enfeitou-se, com grande pompa, o elefante que toca o sino no Jardim Zoológico. Era imponente e tinha a grande vantagem de ir recebendo moedas dos admiradores que se juntavam para o saudar.
Aqueles senhores endinheirados que andavam a matar gente com carros de corrida compravam cavalos puro-sangue. Os homens da "Volta" pedalavam bicicletas. As famílias numerosas optaram pelas últimas carroças puxadas a mulas. As senhoras medrosas montavam vacas leiteiras. Alguns pais extremosos fizeram carrinhos puxados a cães para os meninos não faltarem às aulas. E o povo, os antigos donos dos automóveis Mini e dos modelos comprados a prestações ou em segunda mão? Começaram a comprar burros, tantos, tantos, tantos que em breve toda a cidade estava atulhada de burros, trotando, galopando, embirrando que não queriam andar.
Nas inúteis bombas de gasolina vendiam-se molhos de palha e braçados de erva. Já ninguém tinha os ouvidos martirizados pelas buzinas, mas pela bela voz grave e sentimental dos burros a zurrar.
E quando um condutor, furioso, gritava para o outro "saia da minha frente, seu burro!", já ninguém se irritava, pois pensava que o insulto era dirigido ao orelhudo bicho de quatro patas.

Luísa Ducla Soares

Esta autora ainda não sabe que a admiro muito, neste momento estou a trabalhar sobre sobre algumas das suas obras y que bien lo estoy pasando!


terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A carícia de um sol de Inverno

na cidade das Ciências

FOR THE REINTRODUCTION OF MEN INTO NATURE







Achei esta campanha publicitária muito interessante, o que vos parece?



quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama,
nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


Sinto uma grande serenidade. Acordei assim, adulta a olhar o mundo e a saber que ele me vê e está comigo a toda a hora.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

DEFICIÊNCIAS

'Deficiente' é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.
'Louco' é quem não procura ser feliz com o que possui.
'Cego' é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
'Surdo' é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
'Mudo' é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
'Paralítico' é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
'Diabético' é quem não consegue ser doce.
'Anão' é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

A amizade é um amor que nunca morre.

Mário Quintana