domingo, 30 de novembro de 2008

Hoje acordei com vontade de escrever

No nosso país não pensava existir. Mas vi com estes olhos e tu também viste porque te contei tal qual como foi. Foi lá para baixo como quem desce para o rio Douro. Vinha a subir para apanhar o comboio. Acho que era isso. E eles estavam encostados ao muro e eram muitos. Eu ia a passar que não tenho medo de gente. Ia a passar e sentia-lhes o cheiro de quem dorme vestido e nesse instante as armas dispararam e vi os buracos abrirem-se nos corpos e não era uma só bala eram muitas como se quisessem juntar os buracos e abrir uma cratera para ver para o outro lado. Mas os corpos tombaram ou não sei muito bem o que lhes aconteceu, penso que tombaram e eu encolhi-me e encostei-me ao muro e fechei os olhos mas já tinha visto. Lembro-me que pensei, tenho que tomar banho, não vá ter-me caído alguma faúlha de sangue. E as faúlhas caíam por toda a parte e os outros achavam normal e eu queria passar e agora tinha medo. Pensei que se o mundo acabasse ainda bem que no meu prédio havia uma loja com verduras e frutas que ocupava vários andares e eu teria sempre que comer. Procuraria entre os escombros e teria o que comer. A minha gata também. Ela estava ferida numa pata mas ia ficar boa. Depois podíamos sempre deslocarmo-nos montados em garrafões desses de plástico que dava para encher de água quando a encontrássemos. O pior é quando os cadáveres começassem a cheirar mal e eu sozinha para os enterrar e a minha gata que não ajudava nada e eu queria lavar-me mas agora a água estava toda conspurcada.
Mas ainda não era o fim era só uma execução mas o fim estava próximo. Pensava que no nosso país (não) estavam proibidas as execuções. É que são reincidentes diziam e eu pensava em que raios teriam reincidido. Tive a ideia de ir para a televisão falar de amor ao próximo e tolerância e compaixão e atirar-me-iam ovos podres e tomates ou no mínimo mudariam de canal talvez se eu chamasse a atenção como aquela apresentadora de telediário que se ia despindo à medida que lia as notícias e eu podia ir-me desabotoando lentamente como se não tivesse dedos nem braços e falar de amor. Era capaz de ser mal entendida. Podia começar a masturbar-me em frente às câmaras e gritar venham, juntem-se a mim nesta luta. Seria mal entendida.
E ali continuava sem conseguir passar e o ambiente que sentia era de terror e eu a pensar que no nosso país não havia execuções mas estava enganada.

Hoje acordei com vontade de escrever

Vou meditar, sentar-me imóvel e não pensar em mais nada. Como a minha cabeça não me deixa à parte de meditar faço de tudo preparo aulas vejo a última vez que fizemos amor e a minha cabeça não me deixa chegar ao poema. Não vejo nada está tudo cinza de verdade. Talvez melhor trocar de cabeça talvez a do primeiro ministro oca mas aí a ambição se espalharia por todo o corpo ou a de um desportista um piloto de fórmula um para morrer cremada ou a de uma bailarina russa com um nome terminado em kov e a bailar como um cisne. A de Fernando Pessoa seria uma experiência interessante e assim podia escolher sabes que escolheria a que fala de árvores e flores e montes e Deus e tudo que é a mesma coisa e metido nela podia escrever à luz dos nossos dias que é a mesma coisa só com a diferença de estarmos mais à beira do fim. Mas não tenho remédio se não carregar esta cabeça que já carregou piolhos e lêndeas e a minha avó costumava pentear-me com um pente de dentes finos para cima de um pano que punha ao colo e eu via-os depois entre as unhas esmagados e agora sei que era o barulho da quitina. Hoje carrego o presente o passado e o futuro que ainda está para vir onde imagino que carregarei um passado que não pára de aumentar. Mas uma cabeça que me serviria bem era a de uma mulher-a-dias com o ruído do aspirador que não me deixaria pensar ou a daqueles homens que indicam o sítio da aterragem dos aviões e que com umas pás acenam bem-vindos eles que protegem os ouvidos como se vivessem no gelo como se lhes adiantasse. A de um surdo-mudo é que não me convinha todo o dia a ouvir-me por dentro e sem puder deitar para fora à parte da palavra escrita liberdade a de um cego é bem pior na de um cego não se vê mesmo nada para fora e para dentro não sei. Talvez fosse esta a que me convinha mas tenho medo de ficar a sós.

sábado, 29 de novembro de 2008

la voz de Dios en la voz de Antony



http://www.youtube.com/watch?v=1MDlMdu2gjw

If It Be Your Will
Leonard Cohen

If it be your will
That I speak no more
And my voice be still
As it was before
I will speak no more
I shall abide until
I am spoken for
If it be your will


If it be your will
That a voice be true
From this broken hill
I will sing to you
From this broken hill
All your praises they shall ring
If it be your will
To let me sing
From this broken hill
All your praises they shall ring
If it be your will
To let me sing


If it be your will
If there is a choice
Let the rivers fill
Let the hills rejoice
Let your mercy spill
On all these burning hearts in hell
If it be your will
To make us well


And draw us near
And bind us tight
All your children here
In their rags of light
In our rags of light
All dressed to kill
And end this night
If it be your will


If it be your will.

sábado, 15 de novembro de 2008

Antony and the Johnsons - Child of God



Esta música diz tudo o que há para saber. É simplesmente genial.

A arte de ser feliz

Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Another song

I’m a cloudy heart
And the rainbow is grey
I’m a cloudy heart
I’ve swallow a hurricane
I’m a cloudy heart
I’m a cloudy heart
And I’m looking for pain

Should I look for the sunshine
When all I want is pain
I can’t bear happiness
I can’t stand a smile
It’s so bright and warm
And I’m not ready know
I’m not ready
I’m not ready
I’m not ready
‘cause I only have grey
that’s the rainbow I love
it’s a one colour rainbow
for a one colour heart

maybe some day
I’ll learn to paint
The true colours of my heart

maybe some day
I’ll learn to paint
The true colours of my heart.

domingo, 2 de novembro de 2008